A
gaúcha que perdeu os butiás no Catete
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Vá e venha pela Penha. Vá e
venha pela Penha. A guria depois de horas e horas, sentada em um ônibus
interestadual, dormindo e acordando; dormindo e acordando .... Chegou de lomba
na rodoviária carioca. Desembarcou na Rodoviária Novo Rio com uma música
repetitiva e constante em sua cabeça, que começou na rodoviária de embarque,
prolongando-se pelas escalas ao longo da BR: Vá e venha pela Penha; vá e venha
pela Penha; vá e venha pela Penha.
A menina saiu da baia, meio de
canto. Largou a querência. Embarcara no velho Eliziário em Porto Alegre, com paradas
técnicas e estratégicas em Florianópolis, Curitiba e São Paulo, fora as
escangalhadas pelo caminho. Decorou todas as placas da BR 116, iria construir uma
história, no estilo: notas, relatos, ou anotações de uma viagem. Da Rota 66
para a BR 116.
Durante a viagem aproveitou as
guloseimas servidas a bordo, em uma caixinha de papelão, com a letra de uma
música impressa na tampa: Vá e venha pela Penha; vá e venha pela Penha. A
caixinha continha um guardanapo e um palito, mais as tais guloseimas, como
balas, bombons e chocolates Neugebauer. Nadica de Gramado ou de Canela. Entre
as guloseimas oferecidas a bordo, deliciava-se com os butiás que trouxera em uma
bruaca, jogando os caroços pela janela, como quem tivesse a intenção de deixar
uma trilha dos rumos tomados. Alguém
poderia seguir seus caminhos, talvez algum cambicho de CTG. E até quem sabe a thurma
do Beira Rio, ou a comitiva Farroupilha, vestida a caráter, montada a cavalo
com uma bandeira em punho seguindo na frente da comitiva. No bornal trazia um
saquinho com alguns butiás, uma bomba e uma cuia de chimarrão. E ainda tinha
uma fieira de bergamota em uma sacola. A erva vinha em uma mala, precavida por talvez,
não encontrar a erva em alguma bodega ou um bolicho, da Cidade Maravilhosa.
E ao descer a serra das
Araras, o Rio de Janeiro, já era terra à vista. Começou a avistar as pandorgas,
no céu da Baixada. Restando alguns butiás guardou-os no bolso. O cheiro das
bergamotas descascadas, pairavam no ar, dentro do ônibus. Depois de horas
sentada, espremida contra a janela, pela delicadeza de seu enorme companheiro
de viagem, o Rei Momo, meio que de revesgueio, quando lhe contou como era o
carnaval carioca. O que mais queria ao desembarcar, era estar em volta de uma
fogueira, com uma chaleira fervente e um giro de chimarrão, entre os que
estariam mateando em volta da fogueira. Na estrada só tomou tererê.
Desembarcou na rodoviária e se
viu perdida, com os recavém doloridos. Todos os ônibus urbanos cariocas, estavam
pintados com uma cor praticamente igual, só se diferenciavam por uma pequena
faixa colorida. Apostou na sorte e na intuição, e foi parar no Catete, por sorte
não foi para o Irajá, para Caxias ou Jacarepaguá. Quando viu a igreja no Largo
do Machado, pensou, é aqui que eu apeio. Rodou a praça inteira caminhando, depois
saiu campeando e observando tudo despacito. Resolveu então subir pela rua das
Laranjeiras, e antes que chegasse ao topo do Corcovado, fez meia volta no Largo
do Boticário. E de volta ao Largo do Machado, lembrou-se dos butiás guardados
no bolso. Perdi os meus butiás que estavam no bolso, pensou entre calafrios. Bah,
e agora? Oncotô? Proncovõ? Montou no porco. Procurou um CTG, mas não encontrou.
Neste ponto já tinha chegado a
praia e avistado a Pedra de Itapuca, que o povo de Niterói diz ser um cagalhão
de gigante. Sem saber do nome pejorativo, disse que naquela pedra ou perto da
pedra iria trabalhar. Achou o lugar tri-legal. Mas precisava pegar uma barca ou
atravessar a ponte. Parou na pastelaria da Praça XV e disse: qualé do teu
pastel! O balconista chinês ou coreano, não entendeu nada.
Comprou um cacetinho com
matambre, na responsa, e encheu o buxo. Pegou a xerenga da bolsa, e comprou uns
tarecos. E a prenda resolveu alugar uma baia, pela redondeza do Largo do
Machado; cursar uma faculdade de teatro bem ali pertinho, a caminho do Pão de
Açúcar, lá para as bandas da Urca. A gaúcha que perdeu os butiás do bolso,
ainda anda perdida pelas ruas do Catete. Mas lembrou das dicas do Rei Momo. Não
perdeu tempo para ver a banda passar, cada dia era um bloco e uma fantasia. Por
pouco não vai para a Banda de Ipanema, ou da Barata Ribeiro. Mas tem medo de
túnel, prefere o circuito Catete - Laranjeiras – Cosme Velho, quem sabe talvez,
no Suvaco do Cristo. E a última vez que foi vista estava em um bloco
carnavalesco fechando o carnaval na quarta-feira de cinzas, pelas ruas do
Catete.
Desistiu de procurar seus
butiás perdidos. Agora procura pelas redondezas onde ainda há um restico de
mata, um pé do fruto de nome butiá, que fica bom na cachaça. Já não tem certeza
de encontrar seus rastros deixados pelas estradas. E o povo de Porto já alertou
os gansos. Mandou o bilhete de passagem paga, para ela voltar. O ônibus já parou
no Catete esperando um embarque, cumprindo o desejo e a promessa no slogan. Vá
e venha pela Penha. O motorista já está com o pé no estribo. Mas parece que ela
não quer voltar, vai ficar esperando o próximo bloco passar.
Da vida de tropeiro andando
pelos caminhos, com a guaiaca na cintura, agora é sambando que segue a tropa
que passa na sua porta, julgando ser uma porteira na portaria, com um menino a
acenar.
Em RN 07/03/16
por
Roberto
Cardoso (Maracajá)
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Reiki Master & Karuna Reiki Master
Jornalista
Científico
FAPERN/UFRN/CNPq
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