segunda-feira, 7 de março de 2016

A gaúcha que perdeu os butiás no Catete



A gaúcha que perdeu os butiás no Catete
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Vá e venha pela Penha. Vá e venha pela Penha. A guria depois de horas e horas, sentada em um ônibus interestadual, dormindo e acordando; dormindo e acordando .... Chegou de lomba na rodoviária carioca. Desembarcou na Rodoviária Novo Rio com uma música repetitiva e constante em sua cabeça, que começou na rodoviária de embarque, prolongando-se pelas escalas ao longo da BR: Vá e venha pela Penha; vá e venha pela Penha; vá e venha pela Penha.

A menina saiu da baia, meio de canto. Largou a querência. Embarcara no velho Eliziário em Porto Alegre, com paradas técnicas e estratégicas em Florianópolis, Curitiba e São Paulo, fora as escangalhadas pelo caminho. Decorou todas as placas da BR 116, iria construir uma história, no estilo: notas, relatos, ou anotações de uma viagem. Da Rota 66 para a BR 116.

Durante a viagem aproveitou as guloseimas servidas a bordo, em uma caixinha de papelão, com a letra de uma música impressa na tampa: Vá e venha pela Penha; vá e venha pela Penha. A caixinha continha um guardanapo e um palito, mais as tais guloseimas, como balas, bombons e chocolates Neugebauer. Nadica de Gramado ou de Canela. Entre as guloseimas oferecidas a bordo, deliciava-se com os butiás que trouxera em uma bruaca, jogando os caroços pela janela, como quem tivesse a intenção de deixar uma trilha dos rumos tomados.  Alguém poderia seguir seus caminhos, talvez algum cambicho de CTG. E até quem sabe a thurma do Beira Rio, ou a comitiva Farroupilha, vestida a caráter, montada a cavalo com uma bandeira em punho seguindo na frente da comitiva. No bornal trazia um saquinho com alguns butiás, uma bomba e uma cuia de chimarrão. E ainda tinha uma fieira de bergamota em uma sacola. A erva vinha em uma mala, precavida por talvez, não encontrar a erva em alguma bodega ou um bolicho, da Cidade Maravilhosa.

E ao descer a serra das Araras, o Rio de Janeiro, já era terra à vista. Começou a avistar as pandorgas, no céu da Baixada. Restando alguns butiás guardou-os no bolso. O cheiro das bergamotas descascadas, pairavam no ar, dentro do ônibus. Depois de horas sentada, espremida contra a janela, pela delicadeza de seu enorme companheiro de viagem, o Rei Momo, meio que de revesgueio, quando lhe contou como era o carnaval carioca. O que mais queria ao desembarcar, era estar em volta de uma fogueira, com uma chaleira fervente e um giro de chimarrão, entre os que estariam mateando em volta da fogueira. Na estrada só tomou tererê.

Desembarcou na rodoviária e se viu perdida, com os recavém doloridos. Todos os ônibus urbanos cariocas, estavam pintados com uma cor praticamente igual, só se diferenciavam por uma pequena faixa colorida. Apostou na sorte e na intuição, e foi parar no Catete, por sorte não foi para o Irajá, para Caxias ou Jacarepaguá. Quando viu a igreja no Largo do Machado, pensou, é aqui que eu apeio. Rodou a praça inteira caminhando, depois saiu campeando e observando tudo despacito. Resolveu então subir pela rua das Laranjeiras, e antes que chegasse ao topo do Corcovado, fez meia volta no Largo do Boticário. E de volta ao Largo do Machado, lembrou-se dos butiás guardados no bolso. Perdi os meus butiás que estavam no bolso, pensou entre calafrios. Bah, e agora? Oncotô? Proncovõ? Montou no porco. Procurou um CTG, mas não encontrou.

Neste ponto já tinha chegado a praia e avistado a Pedra de Itapuca, que o povo de Niterói diz ser um cagalhão de gigante. Sem saber do nome pejorativo, disse que naquela pedra ou perto da pedra iria trabalhar. Achou o lugar tri-legal. Mas precisava pegar uma barca ou atravessar a ponte. Parou na pastelaria da Praça XV e disse: qualé do teu pastel! O balconista chinês ou coreano, não entendeu nada.

Comprou um cacetinho com matambre, na responsa, e encheu o buxo. Pegou a xerenga da bolsa, e comprou uns tarecos. E a prenda resolveu alugar uma baia, pela redondeza do Largo do Machado; cursar uma faculdade de teatro bem ali pertinho, a caminho do Pão de Açúcar, lá para as bandas da Urca. A gaúcha que perdeu os butiás do bolso, ainda anda perdida pelas ruas do Catete. Mas lembrou das dicas do Rei Momo. Não perdeu tempo para ver a banda passar, cada dia era um bloco e uma fantasia. Por pouco não vai para a Banda de Ipanema, ou da Barata Ribeiro. Mas tem medo de túnel, prefere o circuito Catete - Laranjeiras – Cosme Velho, quem sabe talvez, no Suvaco do Cristo. E a última vez que foi vista estava em um bloco carnavalesco fechando o carnaval na quarta-feira de cinzas, pelas ruas do Catete.

Desistiu de procurar seus butiás perdidos. Agora procura pelas redondezas onde ainda há um restico de mata, um pé do fruto de nome butiá, que fica bom na cachaça. Já não tem certeza de encontrar seus rastros deixados pelas estradas. E o povo de Porto já alertou os gansos. Mandou o bilhete de passagem paga, para ela voltar. O ônibus já parou no Catete esperando um embarque, cumprindo o desejo e a promessa no slogan. Vá e venha pela Penha. O motorista já está com o pé no estribo. Mas parece que ela não quer voltar, vai ficar esperando o próximo bloco passar.

Da vida de tropeiro andando pelos caminhos, com a guaiaca na cintura, agora é sambando que segue a tropa que passa na sua porta, julgando ser uma porteira na portaria, com um menino a acenar.






Em RN 07/03/16

por

Roberto Cardoso (Maracajá)

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Reiki Master & Karuna Reiki Master

Jornalista Científico

FAPERN/UFRN/CNPq



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